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“As respostas para as questões emocionais não vêm em uma embalagem de um remédio”; confira a entrevista com psicólogo e sexólogo Jeová Batista

POR ISMAEL ENCARNAÇÃO



Jeová Batista tem formação em psicologia clínica, saúde e educação sexual. Aliado ao seu propósito profissional, que é cuidar da saúde psíquica das pessoas, leva consigo a aptidão para falar de sexo, sexualidade e mostrar que é possível tratar dessas questões, que normalmente são cerceadas de tantos tabus e vergonhas, de maneira segura e com responsabilidade. Pode se dizer que corpo e a psique conectam-se e, quando bem cuidados, promovem a conhecida sensação de bem-estar.

E, para Batista, a saúde mental deve ser tão cuidada e valorizada quanto a saúde física tem sido, principalmente, no cenário atual. Hoje, neste momento de tanta delicadeza, em meio a pandemia e a uma expectativa de uma nova realidade, na qual o maior desejo compartilhado é o de término, conversaremos com o psicólogo, a fim de entender e buscar algumas respostas acerca da vida afetiva, comportamental e sexual dos idosos, o grupo de maior risco.

Ismael Encarnação - Muito tem se falado sobre aplicativos e a relação dos idosos com a tecnologia e, ultimamente, tem-se percebido um maior número de pessoas mais velhas interessadas e ingressando nos aplicativos de relacionamento. Como o senhor enxerga isso?

Jeová Batista - Eu acho isso muito bacana do ponto de vista do idoso, porque ele está ali. Está vivo. Lembro-me de uma experiência que tive em uma apresentação, em uma universidade, sobre sexo na terceira idade e foi maravilhoso. É a expressão de vida. Mas, por outro lado, acredito que se deva ter cuidado, pois, querendo ou não, há pessoas agindo de má fé, o que pode trazer prejuízos psicológicos, físicos e até mesmo financeiros.

Quando falamos dos encontros proporcionados por aplicativos e sites de relacionamento, não estamos falando apenas de sexo, mas de relações de amizade, de fala e de poder compartilhar. Normalmente, os aplicativos e sites de relacionamento logo são associados ao sexo, sendo que não é e nem precisa ser necessariamente isso.

IE - Considera que o isolamento social pode provocar algum tipo de problema psicológico ou comportamental nos idosos? Se sim, quais?

JB - Sem dúvidas. O isolamento social gera consequências danosas, como ansiedade e a depressão. Inclusive, hoje, já não posso receber mais novos pacientes, porque houve um aumento expressivo nos últimos três meses.

Chegaram pessoas de todas as idades, com a grande maioria em questões associadas às consequências do isolamento social. Volto a dizer, que é uma grandíssima porcentagem de casos de pessoas com ansiedade e depressão.

IE - Quais cuidados recomendados para os idosos que estão confinados? Como manter a saúde psicológica em dia?

JB - Em linhas gerais, posso dizer que os cuidados seguem quase que um padrão. É recomendada a redução de contato com as mídias, como os jornais e a própria internet. Claro, que cada sujeito, que cada faixa etária vai reagir diferente diante das informações. 

Um adulto mais jovem, que ouve algo como “morreram mil pessoas” através de um jornal, sentirá e ficará sensibilizado; já um idoso, tem a tendência a pensar que será o milésimo primeiro morto, por ser idoso e por estar no grupo de risco. Se possível, é recomendado, também, que tenha um momento de lazer, como um jogo, uma ligação para outra pessoa ou maior interação com a família. 

É importante buscar essa saída, que não é uma saída de casa. Outra coisa interessante a se fazer é incentivar esses idosos. É possível incentivar novos aprendizados e a busca por novas habilidades. Isso ajuda a manter o equilíbrio e a manter uma boa saúde mental. Temos visto na clínica pessoas que utilizaram disso como ferramenta e estão muito bem.

IE - Como os filhos/pessoas que convivem com eles podem ajudar na fuga do tédio, a fim de evitarem o desenvolvimento de maiores problemas?

JB - É buscando estar presente, presente de verdade, sabe? É estar ali, não como alguém que faz algo por obrigação ou para dar satisfação, acho que isso é algo primordial. Sabe aquela conversa de que o idoso volta a ser criança? Então, pode ser até que na prática nós tenhamos que ter esse cuidado com os mais velhos. Mas, a gente precisa respeitar esse idoso e entender que ali existe uma história. 

Quando a gente ultrapassa esse limite e os tratamos literalmente como crianças, ainda que em alguns momentos ajam dessa forma, é preciso ter um bom traquejo, para não acabar ferindo essas pessoas, pois na maioria das vezes, são pessoas que amamos. Em um caso, no começo da pandemia, recebi uma senhora que deve ter entre 66 e 67 anos, que estava com muito medo. 

Logo no primeiro contato, levou por volta de 40 minutos falando sobre os seus medos e inseguranças acerca do coronavírus. Perguntei sobre o que tinha feito para lidar com isso, sobre os amigos e foi uma surpresa quando falei da possibilidade de se reunir virtualmente através das plataformas que temos.

Nesse caso, por exemplo, convocamos os filhos, pessoas mais próximas e amigos da igreja da senhora citada para se envolverem. Veja bem, foi algo que é simples para nós, mas que fez a diferença. Foi a promoção da aproximação.

IE - Percebemos que, ao chegar na velhice, muitos abandonam o sexo. Gostaria de saber qual o grau da importância de uma vida sexual ativa para eles? Torna-se algo completamente irrelevante como se pensa?

JB - Bom, precisamos entender que ao fazer essa pergunta, provavelmente, estamos fazendo a partir de uma perspectiva de alguém que não é idoso. É a perspectiva de um jovem de vinte, trinta, quarenta anos. Mas, sendo enfático, digo que não torna-se algo irrelevante, continua tendo uma relevância muito grande na relação. Porém, em questões fisiológicas, a quantidade das relações vai diminuir, tende a isso. 

No entanto, é possível perceber que a qualidade pode aumentar, afinal, estamos falando de um casal que goza de certa experiência. Nisso, pensamos na separação dos conceitos de sexualidade e do sexo. A gente imagina que o sexo está muito mais ligado ao ato em si, já a sexualidade está mais ligada à forma como nos expressamos no mundo. 

Então, essa segunda expressão acaba ganhando mais força. Portanto, os beijos, os toques, as caricias tomam conta e tornam-se coisas mais representativas, onde é mais referenciado o cuidado com o outro.

IE - Há como desenvolver um maior estreitamento de laços afetivos neste período? Se sim, como?

JB - É possível. Obviamente, trago aqui em linhas mais gerais, mas é possível, sim. Da mesma maneira que pode existir um desejo de afastamento, além do que está sendo imposto. Partindo da primeira perspectiva, quando a gente expressa o cuidado com os idosos, os laços são fortificados. 

Na minha família, no grupo de WhatsApp, o mesmo lugar que em outros momentos há brigas, sabe-se que foram deixadas de lado para dar lugar às discussões de quem ficará com a tia ou como será feito para visitar a avó, por exemplo. Houve essa preocupação e isso vai estreitando laços, não só com os idosos, mas com as outras pessoas da família. 

Coisas que quando são feitas de bom grado, acabam sendo maravilhosas. Lembrando, que o contrário pode ser possível também, com as pessoas que ficaram mais isoladas e elevaram o sofrimento, voltando para a pergunta anterior, sofrendo duras consequências.

IE - O quão importante é ter um/uma parceiro(a) neste momento pandêmico?

JB - É importantíssimo. Ressalto que é extremamente importante ter alguém para conversar e quando se fala de idosos, essa questão multiplica-se. Neste momento, ter alguém além do próprio profissional da psicologia, ter alguém que possa compartilhar suas dores ajuda muito. 

Com alguém da mesma faixa etária, facilita a comunicação e faz com que a coisa flua de maneira mais tranquila. Por isso, retomo a questão de propiciar os encontros online, de forma que possam estar com seus pares, se divertindo e falando das suas necessidades, mesmo virtualmente.

IE - O isolamento pode servir como ferramenta para reacender o desejo sexual dos mais velhos confinados? Se sim, por quais motivos?

JB - Olha, é possível, sim. Mas, falando em uma perspectiva clínica, entre colegas, discutindo essas questões, isso não tem sido evidenciado. Percebemos mais uma maior expressão da sexualidade, que é aquela questão do afeto, do cuidado, não necessariamente um desejo sexual que é aceso. Não duvido que possa acontecer, mas acredito que acontecendo, não seja de forma tão expressiva.

IE - De quais maneiras os idosos podem vivenciar a sexualidade neste momento?

JB - É dizer o que sente, falar que está ali, mostrar que cuida. São as caricias, o toque, mostrar que quer saber o que o outro precisa. Isso é vivenciar a sexualidade.

IE - Seja nas relações, perspectivas ou desejos, há possibilidade de desenvolver algum tipo de sequela pós-pandemia? Se sim, pode exemplificar?

JB - Há a possibilidade de sequelas no pós-pandemia. Nós estamos em um momento bem difícil. Eu, por exemplo, atendi alguns profissionais, que estavam chegando ao limite. Eles estavam na linha de frente, na área de saúde e não podiam parar. Agora, que puderam parar para buscar um profissional e falar dos medos, se escutar. 

Inclusive, neste momento, um deles sente mais medo do que antes, porque anteriormente, na situação que estávamos, ele precisou usar de seus mecanismos de defesa para conseguir continuar. Outro, por exemplo, chegou ao nível de parar de usar a água sanitária na higienização, passando a usar o cloro no lugar. Ele passou a usar cloro puro, por não acreditar que apenas a água sanitária pudesse dar conta de limpar. 

Mas, cito profissionais de saúde, porque mesmo sendo pessoas dotadas de conhecimento na área, precisaram se afastar, sob consequências, como a síndrome do pânico e etc. Falando de idosos, são as pessoas mais vulneráveis e a pandemia pode trazer muito medo. Então discursos como os de que a vacina quando chegar, não comportará todo mundo, ou então dizer que a vacina virá para eliminá-los, não ajuda em nada. É o grupo mais vulnerável.

IE - Espaço livre para deixar uma mensagem.

JB - Não sei se encaixa como mensagem, mas é um agradecimento pelo convite, pela paciência. Faço voto de que esta entrevista se propague para o maior número possível de pessoas e, que nessa propagação, possa gerar algo de positivo para elas. E, dizer, que a gente deve buscar o cuidado com a saúde mental, do mesmo jeito que é tido o cuidado com a saúde física.

O cuidado com a saúde psíquica é algo que já deveria ter sido naturalizado. Se sinto uma dor no peito, buscarei um cardiologista. Se estou tossindo, buscarei um médico clínico. Então, as questões emocionais devem ser cuidadas.

Perceba como houve um grande aumento na venda de medicamentos como o Rivotril durante a pandemia. É preciso entender o processo. As respostas para as questões emocionais não vêm em uma embalagem de um remédio, é preciso falar.